19 janeiro, 2013

O Tibet no alto do Malhão



O meu Alentejo!..

Como adoro a imensidão da planície!.. As suas curvas ténues, como as costas de uma amante. O vento que lhes sopra e que me canta ameaçando com chuva… Gosto das cores. Do verde carregado pelo sol e dos amarelos e ocres pousados sobre o monte. Das aves brancas perseguindo o arado do tractor…
Gosto da tasca. Dos homens que estendem o lenço sobre o balcão, e dele retiram pão, queijo e carne fumada, que vão cortando com um pequeno canivete.
Gosto das Janeiras do cantar alentejano – ecoando da janela onde me deixo ficar a escutá-lo – recordando as noites frias de infância, em que percorria pela mão da minha mãe as ruas da aldeia, fazendo o mesmo na esperança de uns rebuçados…

A manhã acordou sob ameaça de chuva, mas ao longe o céu limpo parece indicar o caminho… Pássaros esvoaçam à minha passagem. Um manto, de um verde ‘mal semeado’ pontuado de oliveiras, estende-se ondulante sobre a paisagem e eu sinto-me levitar sobre ele.
O caminho vai ficando para trás. A estrada serpenteia como um dragão chinês. É como se me despedisse de uma vida… cada viagem é uma vida inteira!..
Há um cheiro inconfundível a Algarve! Sempre pensei serem alfarrobas mas não são. Não sei o que é! Só sei que não me deixa enganar. O olfacto é talvez o sentido mais importante para a percepção de um lugar e da viagem…

Falta pouco para o Malhão. A chuva resolve presentear-me nestes últimos quilómetros. Uma chuva miudinha – constante e impertinente.
Lígia aguarda-me no Centro Budista. Há muito que cultivo uma relação de proximidade com a causa tibetana e a visita ao Centro Budista Tibetano do Malhão, é uma oportunidade inédita de melhor conhecer essa realidade. Até há bem pouco tempo, não sabia sequer da sua existência…

O centro está ligado à Fundação Kangyur Rinpoché – um mestre budista, que em meados do século XX se viu forçado a fugir com a família do Tibete. Exilou-se na Índia, tendo demorado quatro anos a atravessar os Himalaias, carregando consigo inúmeras relíquias que hoje se encontram depositadas no Stupa do Malhão. Foi ele quem indicou aos seus discípulos ocidentais em Darjeling, a sua construção nestas paragens, bem como em outros locais da Europa.
O Stupa é uma espécie de altar budista.
Há oito tipos de Stupa, cada um representando um nível distinto do Buda até à iluminação. São como relicários. No Malhão, estão depositados artefactos do século VIII; rolos de oração – que só os mestres podem realizar e sob rigorosos preceitos, como o tipo de papel, o uso do açafrão, etc. – pequenas estatuetas, a que chamam Tsai Tsai; entre muitas outras preciosidades. Na base são colocadas as coisas más – tudo o que precisa de ser melhorado – e as relíquias mais importantes no topo.
Para atrair ‘boas energias’, deve circular-se várias vezes em seu redor, no sentido dos ponteiros do relógio…
A entrada no centro faz-se a par de um conjunto de bandeiras de oração. São cinco cores, cada uma representando um elemento e estando associado a um ponto cardeal. A sua disposição obedece a uma ordem, com o elemento mais suave primeiro, até ao mais bruto no fim.
Assim, a bandeira azul é a primeira – representando o céu e o poente; a branca simboliza as nuvens e o centro; a vermelha, o fogo e o nascente; a verde, o vento e a madeira e está associada ao norte; e por fim a amarela, que representa a terra e está associada ao sul.
As bandeiras são habitualmente mudadas por altura do ano novo tibetano, que regra geral, coincide com o nosso carnaval.
Aqui no Malhão vivem actualmente 11 pessoas. No entanto, é aguardada a chegada de três monges que recentemente terminaram o seu retiro de cinco anos(!) no sul de França. Passando assim o centro a fruir de vida monástica.
Lígia convida-me a assistir à oração da noite;
- Não vais é perceber nada! É em tibetano… – Fico empolgado!

Descalço-me para entrar no pequeno templo. A porta é baixa, forçando-nos a curvar como que em sinal de reverência. A sala é ampla – uma construção antiga. Ainda se vislumbra o lugar da lareira. Há almofadas pelo chão, um altar ao fundo com a estatueta de Buda, uma imagem do mestre Kangyur Rinpoché, e uma estranha sensação de tranquilidade... Não somos mais de seis na sala, mas o ambiente é fremente. O recitar dos mantras – a música e a vibração; as velas e o incenso; o chão atapetado; a meia-luz que ilumina a sala e o candeeiro rotativo com orações dão-me a sensação de estar algures nos Himalaias…

A estrada do Malhão é uma varanda sobre o Atlântico.
Vejo o Algarve do pico dos telhados, encimados pelas suas típicas chaminés.
Desço a Loulé e sigo para Olhão, onde apanho o barco para a Ilha do Farol sob uma chuva imutável e persistente. O ponto mais sul de Portugal é um lugar apinhado de casas onde não há ruas… apenas caminhos estreitos que levam à praia. Tudo aqui respira verão, mas nesta altura do ano é um monte de areia desabitado. Comigo no barco, chegaram ainda assim alguns pescadores que se dirigem para o molhe. Eu sigo para o farol e dou um pulo à praia em frente…

Termino sozinho…
(Que paz! Que felicidade!..)
No silêncio da ilha deserta. Sob a chuva incansável…
Há algo neste mar azul que nem azul é… nestas cores indistintas… no areal húmido e despido da praia que o antecede… no farol nas minhas costas e na imensidão da vista…
Sorrio… feliz!
Termino só, mas na companhia de todos quanto – uma vez mais – compuseram o mosaico desta viagem.
“Nunca se está sozinho quando se viaja sozinho”

Portugal é lindo!

4 comentários:

  1. Portugal é efectivamente fantástico, um paraíso banhado pelo Oceano, largamente apreciado por turistas que adoram o país pela sua cultura, clima, gastronomia de norte a sul sem excepção e particularmente os vinhos únicos que são produzidos. Conseguem ver alegria onde nós vemos pura tristeza. Parabéns pelo artigo.

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  2. É bom dar a conhecer aos portugueses que há um Templo budista tibetano e um Stupa no Malhão, Alentejo, ligado à Fundação Kangyur Rinpoché, que tem varios centros budistas na Europa, America e Asia. Os meus parabens pelo excelente artigo.

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  3. Excelente artigo. Grata por me trazer tão boas memórias! É realmente um lugar mágico e maravilhoso onde tomei refúgio no Verão de 2000 e onde tive a felicidade de receber Ensinamentos de eminentes Mestres Tibetanos e assistir à construção e consagração do Stupa. Bem haja! MCLF

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